domingo, 13 de setembro de 2009

A nova competência material trabalhista e competência territorial

O critério de definição da competência territorial da Justiça do Trabalho sempre foi conduzido no sentido estabelecido pelo art. 651, da CLT, cuja regra geral era a da sua fixação pelo local da prestação de serviços do empregado. Não teria relevância, nesse caso, o local da contratação ou do domicílio do empregado ou do empregador, também não havendo nenhuma interferência nesse critério quem estaria a ocupar o pólo ativo ou passivo da ação. As exceções são aquelas inscritas nos parágrafos do mesmo artigo e, no seu conjunto, essas diretrizes atendiam adequadamente às necessidades derivadas dos conflitos trabalhistas, fundados no limite subjetivo que a competência constitucional lhe atribuía.
A Emenda Constitucional no. 45, de 2004, retirou a relevância desse critério - que focava a competência trabalhista sobre os conflitos entre trabalhadores e seus empregadores -, estabelecendo que a Justiça do Trabalho passaria a ser competente para julgar todo e qualquer litígio que derivasse das relações jurídicas descritas nos incisos do art. 114, da CF, não importando quem estivesse ocupando os pólos do conflito. Sem nos envolvermos no intenso debate sobre o alcance dessa nova modalidade de competência, o certo é que a diversidade de situações que derivam do novo quadro repercute diretamente na questão relacionada aos já assentados critérios de competência territorial.
Partindo-se da regra prevista na CLT, não temos dúvidas de que, sempre que o conflito sujeito à apreciação da Justiça do Trabalho - mesmo que não seja tipicamente trabalhista - envolver alguma modalidade de prestação de serviços, a regra consolidada tem plena incidência. Afinal, seus pressupostos fundamentais são a facilitação do acesso ao Judiciário, por qualquer das partes envolvidas na relação jurídica e o favorecimento à instrução probatória, ampliando as possibilidades da sua efetivação, quando tratado o conflito na localidade onde ele se verificou. Dessa maneira, se um trabalhador autônomo postula, na Justiça do Trabalho, a satisfação de certa parcela de seu contrato com um prestador de serviços, ainda que não se cogite, em seu caso, de relação de emprego, temos como pertinente a conclusão de que o foro competente para a apreciação desse conflito é o do local da prestação de serviços, salvo se a hipótese comportar alguma das exceções dos parágrafos do art. 651, da CLT.
O problema, de fato, surge em outras situações de competência trabalhista, nas quais não existe a figura da prestação de serviços. Tomemos um caso de disputa entre duas entidades sindicais por uma mesma base territorial: nessa situação, o critério do art. 651, da CLT não traduz uma regra passível de aplicação para solução da competência territorial, nada obstante a competência material seja da Justiça do Trabalho, nos termos do inciso III, do art. 114, da Constituição. Como definir, portanto, o juízo territorialmente competente em ações dessa natureza? No momento em que se discute e rediscute o uso subsidiário do processo comum ao processo do trabalho, não nos parece inadequado pensarmos que a competência, neste caso, será estabelecida pelo foro do domicílio do réu, pela aplicação supletiva do art. 94, do Código de Processo Civil. No caso, embora não seja omissa a CLT, sua regra objetiva a respeito do assunto não é suficiente para dirimir uma questão procedimental de grande importância como essa. Portanto, vemos aqui uma das plenas possibilidades de se realizar uma interpretação integrativa das normas processuais, ajustando-se aqueles que melhor atendem as necessidades do processo, voltadas fundamentalmente para a consagração da efetividade processual.
No entanto, essa solução não deve prevalecer para todas as demais hipóteses de competência trabalhista. Um exemplo disso está na competência territorial para apreciação do mandado de segurança, o que materialmente está estipulado no inciso IV do art. 114, da CF. A rigor, a competência para esse tipo de ação é tida como funcional, quer dizer, é definida pela categoria da autoridade coatora, o que inclusive estabelecer o Juízo funcionalmente competente. Nesse sentido, p.ex., se o ato atacado pela via mandamental foi produzido por Juiz de Vara do Trabalho, a competência funcional é do TRT; se foi ato de Desembargador do TRT, será o próprio TRT o órgão competente para cognição originária. Ao lado disso, a regra territorial de atribuição de competência se estabelece a partir da sede da autoridade coatora, tanto pela regra geral processual  - a já citada, de que a ação deve ser movida junto ao domicílio do réu - como pela ausência de determinação específica na Lei nº. 1.533/51. Nesse mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou, p.ex., no Conflito de Ccompetência 18.894-RN, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro e no Conflito de Competência 50.794-DF, rel. Min. José Delgado, em ambos os casos assinalando que a competência territorial sempre será a sede da autoridade coatora.
Porém, vemos que essa solução nem sempre é adequada ao processo do trabalho. Por certo, em se tratando de mandado de segurança contra ato judicial, a questão ficará dirimida pela própria sede territorial de atuação do juiz que praticou o ato atacado. Preocupa-nos, no entanto, os atos praticados pela fiscalização do trabalho, cuja apreciação também é de competência trabalhista, ante o disposto no inc. VII, do art. 114, da CF. Nessa situação, e pela jurisprudência uniforme, a competência seria do foro da sede da autoridade coatora - vale dizer, da Subdelegacia ou da Delegacia Regional do Trabalho respectiva. No entanto, as áreas territoriais de atuação das Delegacias ou Subdelegacias nem sempre coincidem com os limites territoriais de atuação jurisdicional, podendo ocorrer de um determinado ato emanar de autoridade trabalhista com sede em uma dada cidade, cujo juiz do trabalho não tem jurisdição sobre a cidade em que é sediada a empresa que fora atingida por esse ato. No caso, pela interpretação sob análise, eventual mandado de segurança teria de ser impetrado na localidade da sede da autoridade, e não na sede da impetrante, cuja atuação, enquanto empregadora, estaria sob a jurisdição de outro magistrado trabalhista.
Para casos como esses, não vemos como utilizar-se da regra geral, porquanto será produzido um resultado totalmente inadequado. Por primeiro, essa estipulação poderia ser um grave obstáculo ao direito fundamental de acesso à Justiça, o que já o condena à inaplicabilidade. Mas, se isso não bastasse, há outros problemas estruturais que a situação hipoteticamente descrita permite. Imaginemos que tenha havido a autuação da empregadora por suposto desrespeito a normas de saúde e segurança no trabalho: eventual ação anulatória de multa teria de se proposta perante o Juízo trabalhista da sede da empregadora, mesmo órgão territorialmente competente para julgar eventuais reclamações trabalhistas de empregados daquela, que demandem temas também relacionados à saúde e segurança (como pleitos de adicionais de risco ou indenizações por acidentes de trabalho). Ora, sendo assim, parece totalmente inviável admitir-se que outro juiz julgue o mandado de segurança que verse sobre matéria correlata a essas, tão-somente a partir de um critério territorial que, inclusive, estabelece uma forma relativa de competência, o que prejudicaria sobremaneira o princípio da unidade da convicção - aquele que determina que, sempre que possível, devem ser concentradas no mesmo Juízo a apreciação de certas matérias correlatas.  
Em face desses fundamentos, temos que, em se tratando de mandado de segurança na Justiça do Trabalho, especialmente aqueles cujo objeto sejam os atos da fiscalização do trabalho, a competência territorial deve ser estabelecida pela localidade onde ocorreram os fatos ensejadores do mandamus, e não a sede da autoridade coatora. Registra-se que, o fato de ser uma modalidade relativa de competência, essa modificação derivada da interpretação não resulta em nenhuma nulidade, visto que tal competência pode ser prorrogada. De outro lado, essa interpretação não resulta nenhum prejuízo à autoridade coatora, visto que sua atuação no processo é meramente a de prestar informações, o que pode fazer por simples ofício, sem necessidade de prática de nenhum outro ato real ou pessoal no processo. Por fim, caso o ato ensejador do mandado de segurança abranja cidades que envolvam a jurisdição de mais de uma Vara do Trabalho, nesse caso existirá a competência concorrente, podendo ser impetrado em qualquer delas. 

Da equipe do Instituto Germinal

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