sexta-feira, 28 de agosto de 2009

MAGISTRATURA: é possível controlar as emoções no final do concurso?

De um lado, estão os examinadores, “os carrascos” prontos à execução. Do outro lado, o condenado, ou melhor, o candidato, isolado em si mesmo, confiando e desconfiando de seu conhecimento, fruto de árduo estudo. Desesperado pelo medo de ser imolado, vacila, embora tenha a esperança de uma redenção milagrosa. E numa espécie de apagão momentâneo, a tragédia se consuma com a morte do sonho.

Diante dessa cena você, leitor-candidato, por acaso se identificou com a vítima? Se sim, esse texto talvez possa servir para que você reflita sobre o modo como deseja lidar com as causas e consequências dessa identificação. Se não, posso dizer que você é uma espécie de “candidato-herege” (uso o termo herege, aqui, no sentido daquele que sustenta ideias contrárias às admitidas por um grupo ou por uma maioria) e, está convidado a professar à vontade sua heresia, pois esse autor que lhe escreve pode também ser chamado de autor-herege, na medida em que, para responder à pergunta-título do artigo, em nada se identifica com a maioria dos que escrevem sobre o tema.

Minha tentativa de resposta a essa questão está no sentido de salientar que as emoções “paralisantes” que o sujeito experimenta em relação à vivência imaginária do exame oral estão ligadas às fantasias do modo como ele se vê antecipadamente dentro da cena. O importante, então, é questionar o sentido dessas fantasias em sua própria história individual, e não querer controlar emoções que são apenas conseqüências e não causas dessas fantasias.

Porém, antes de nos fiarmos nesse raciocínio, podemos partir da concepção contrária, ou seja, a de que controlar as emoções seja o melhor caminho. Mas como, então, poderíamos controlar nossas emoções “paralisantes”? Como estar preparados para o exame a ponto de dar conta das emoções que nos paralisam? Há muitas receitas por aí e todos se arriscam a um palpite. Existe um consenso em relação à necessidade óbvia do estudo árduo de todo o conteúdo, mas, e além disso?

Uns podem dizer que é preciso dormir bem antes da entrevista, vestir-se bem e não beber água diante da banca examinadora. Outros, por exemplo, diriam, com sua teoria, que o importante é olhar nos olhos do entrevistador e procurar alinhar o seu tom de voz com o tom de voz dele. Outros ainda dirão que o candidato deve ser confiante, deve “ser ele mesmo!”. Obedecendo a essas fórmulas, o fulano-candidato se prepara e, preocupado em ter de dormir bem, pouco dorme e, vestido com sua melhor roupa, muitas vezes de gosto um tanto duvidoso, nem pisca, tamanha sua concentração nos olhos dos membros da banca examinadora. Tenta perceber o tom de voz de cada um deles e deixa de entender perguntas importantes. Confiante nele mesmo, vai em frente, mal articulado em seus pensamentos. No final, chega a apresentar expressões faciais um tanto estranhas, em razão da boca seca, conseqüência de ter seguido à risca a dica preciosa de não beber água durante a entrevista. Depois de algum tempo, a notícia: reprovado! — Mas como, se fiz tudo certo?

Será que poderíamos repensar essas fórmulas prontas? Diante, por exemplo, da sugestão típica, “Seja você mesmo diante deles!”, eu me indago: Como assim, seja você!? Há por acaso outro jeito de ser sem ser “você”? Se realmente há essa possibilidade, concluo que posso, mesmo sendo eu mesmo, não ser eu. Ou não ser eu, sendo eu mesmo. O que dá na mesma e me confunde ainda mais.

Do ponto de vista daquilo que entendo ser a psicanálise, essa aparente confusão é o que tem maior valor na constituição do sujeito, pois, a ambivalência que ele sente é justamente o efeito inconsciente de sua própria condição humana, a condição de ser de linguagem. Diante desse fato, não podemos pensar na existência de uma resposta resoluta, apaziguadora e anti-sofrimento frente a qualquer questão. Sendo o indivíduo marcado por um estranhamento, uma falta, uma descompletude, ele só poderá ter dele próprio e dos outros, respostas parciais para suas questões, até porque suas próprias perguntas também nunca são completas. Desse modo, o primeiro pensamento que cai por terra é o de que existe resposta absoluta para as coisas ou aquilo que o candidato pensa ser!

Sob esse prisma é que uma escuta psicanalítica se faz preciosa, dissolvendo as fantasias da busca de uma representação ideal, perfeita, completa daquilo que é impossível. Daí, a conclusão de que haja uma saída menos épica, mas mais real e humana. Sem ter mais de se preocupar em corresponder a fantasias, o candidato poderá ser o máximo daquilo que ele verdadeiramente é enquanto sujeito, chegando mais próximo do que pode render em relação ao seu preparo para o concurso!

Rodrigo Augusto Suárez Abreu
Psicólogo formado pela Puc-Campinas e psicanalista praticante da Associação Campinense de Psicanálise. Professor do Instituto Germinal